23.12.08

O 'stor Gwydion

Agora sou professor! :D
É engraçadíssimo pensar que outrora fui o cume da rebeldia (e de algum modo ainda sou, um pouco mais moderadito) e que só me sentia bem na minha indomabilidade. Como tal, fazer a cabeça dos domadores "em água" constituía o auge da minha curta-existência. E sim, refiro-me a Domadores pois para eles eu não era um aluno, mas sim um animal... UMA FERA!! Cheguei a orgulhar-me de fazer uma professora chorar, impotente perante a minha energia diabólica e era "o pão-nosso-de-cada-dia" dizer o que quer que fosse, que os outros nem ousavam murmurar entre lábios (pelo menos a maioria, pois os Lobos vivem em Alcateia). Era para mim uma afronta em tom de desafio, quando os(as) Srs(as). da cartola e chicote pronunciavam o que para eles constituía a ameaça-mor, aquela que por si só chegava para cessar a incerteza comportamental dos "fracos e oprimidos" - "Ou te calas ou vais imediatamente para a rua!". Mas eu(?)... eu já era mais que imune às vozes de comando e já tinha simulado milhões de vezes aquele panorama nos confins da massa cinzenta. Então, quando Eles (domadores) começavam a sentir-se potentes e vitoriosos, eis que tinha início o duelo...
O meu arsenal de artilharia era diverso e incerto, dependia do que tivesse "à mão"! Era frequente puxar da navalha e cortar um pedaço da carga da caneta com 1 ou 2 centímetros, arma de longo alcance munida de silenciador. Como munição, pequenos bocados de papel que cuidadosa e habilmente enrolava. Uma vez carregada e posicionada a arma (na língua) era tempo de fazer o mais difícil - acertar no alvo em movimento. Mas a prática faz a perfeição e eu já era um sniper de categoria, afinal já tinha alvejado metade do corpo docente da escola bem mais que uma vez. "3...2...1..." e um quase inaudível silvo enviava o minúsculo projéctil de encontro à juba armada da Domadora. Ao primeiro riso que ecoava, pensava eu "1-0". Mas o objectivo não era a vitória, sendo que essa era 90% garantida, mas sim o massacre!! Após aquela armação capilar estilo saia de Marie Antoinette estar tão composta quanto uma árvore de Natal, concentrava as minhas energias noutro campo - eliminar os bufos, aqueles que geralmente me denunciariam a seu bel' prazer e proveito. Por outras palavras, os graxistas. Havia um bem perto de mim. Cá fora era um bom amigo e um exímio praticante do mais nefasto calão, mas lá dentro tinha aquele "mau feitio" que se traduz no "menino-querido-da-professora". Um dia foi premiado com uma ida o quadro para escrever o sumário. O sangue fervilhava-me nas veias, era uma oportunidade única para mim! Tinha que ser astuto e exímio e simular o diâmetro daquele pandeiro na cadeira para colocar uma mina terrestre (pionés) mais ou menos a meio do seu raio, coincidindo com a sua nádega esquerda. Depois foi só esperar! Ele sentou-se... e... nada aconteceu! Os meus cálculos haviam fracassado. Mas a mente de um vil celerado como eu não pára, maquinando tropelias umas atrás das outras. Levantei-me e fui afiar o lápis. De caminho passei com o cotovelo de forma sublime por um "g" transformando-o num "a". Nova chance à vista...
Regressando ao campo de batalha alerto, pleno de cordialidade, a professora para uma palavra sem sentido no quadro. Lá foi o rapazinho, incrédulo com tal gafe, ao quadro uma vez mais. Desta vez os meus sentidos estavam alerta ao local exacto de onde o avantajado glúteo saiu e lá foi a bomba uma vez mais. Desta feita não falhei! Aliás, acertei em cheio e um cavernoso guincho preencheu veemente as cavidades auditivas dos espectadores que miravam incrédulos, a cena:
"AAAAAAAAAAAAAAIIIIIII... C*r****lh*, páááááááá!!!
Vitória!!!!! Quase que me senti o capitão de equipa a receber a taça da Liga dos Campeões, ao som do "We Are The Champions" dos Queen, transparecendo uma lágrima de emoção.
O palavrão tem um poder libertador, sempre o defendi. E naquele caso foi libertador até demais: libertou-me da tensão do possível empate com a mostrenga domadora, libertou uma gargalhada geral no resto da turma, libertou (acho eu) a dor na "nalguinha" do moçoilo e ainda a sua máscula e "tasqueira" virilidade, que por sua vez libertou o seu estatudo de "menino-blá-blá.blá", real bufo de Sua (des)Graça a Professora.
Eu era realmente um "Pestinha". Mas talvez seja esse o factor mais importante para quem procura compreender os alunos que tem. É raro aquele que falta à aula e que não vem cheio de motivação para um misto de música e risota que constitui as minhas aulas. Aliás, até as mães de dois deles me questionaram acerca da minha presença no ano lectivo que vem, pois eles "dizem maravilhas do 'stor de piano em casa". A ver vamos...

2 comentários:

Anónimo disse...

Ah...os belos tempos de escolinha.
Ainda hoje me lembro com saudade e uma lagriminha no canto do olho esquerdo (sim, esquerdo porque o direito está na penúria) das turmas repletas de cachopos angelicais.
As aulas eram autênticos hinos à Irmandade Didáctica (diga-se Ministério da Educação), hinos esses dos quais infelizmente testemunhei um declínio terrível.
As infames mas inofensivas tácticas lúdicas efectuadas para derrubar o regime conhecido como "professor" deram lugar a verdadeiros motins hoje em dia. É com alguma repulsa e sensação de desprezo que se verificam situações em que os docentes não podem tocar no "meu menino de ouro", apesar deste ter esfaqueado o pobre senhor. E convenhamos: é uma afronta! Onde já se viu sequer pensar-se em punir o meu precioso Joãozinho (agora com 25 anos pois é adepto do Clube de Amigos do 10ºano)????
Aos caros leitores, desde já peço desculpa pelas heresias literárias que se seguem mas: PORRADA NOS FILHOS DA PUTA! ESTUDEM, MAIS AO CRLHO! ANDAM OS PAIZINHOS A PAGAR PRA ANDAREM A BRINCAR? HAVIAM DE SER MEUS FILHOS QUE LEVAVAM NOS CORNOS ATÉ TEREM 20 a TUDO!
Regressando agora à paz, tranquilidade e um descafeínado, volto a frisar a minha revolta. Talvez eu seja antiquado mas não me lembro de vez alguma os meus progenitores me proibirem de fazer o que quer que fosse ou me mandasses afinar o meu núcleo cerebral através de estudo. Sempre me dediquei a estudos mas sem entrar em reclusão social, sem conviver, sem deixar de fazer o que me apraz. Eu posso gabar-me de um percurso escolar de velha guarda e diga-se, com sucesso.Então o que se passa com a malta de hoje? Educação em falta? Tempo pais/filhos escasso? Playstation a mais? Lobotomia via Morangos com Açúcar (outro flagelo da sociedade a discutir noutra altura)? Autoridade não imposta pelos docentes? Sinceramente, penso ser uma miscelânea destes e outros tópicos que, ao longo dos tempos se vêm juntando...juntando...juntando...até formar uma bola de neve e, consequentemente, uma avalancha cuja capacidade destructiva está para lá da bomba atómica. Resultado? O sistema educacional cai por ai abaixo.
Sinto-me velho (e é uma velhice só com 26 primaveras no corpinho), mas é uma velhice nostalgica e que me deixou excelentes recordações. Duvido que nos dias que correm os jovens se possam gabar das eras passadas da minha geração, já que playstation, ganza e "ó cota!" é que se encontram na berra.
Agora pergunto eu: Existe um possível retorno aos tempos em que os alegres putos riam à custa de outrém sem prejudicar quer a si próprios, quer aos "alvos"? Eu gostaria de acreditar piamente que sim mas isso implicaria uma revolução no sistema (outro tópico a discutir: sistema) que o país não parece querer executar.
Eu? Vou ficando por este Portugal que tantas alegrias me deu (e desilusões me dá presentemente), apresentando as condolências à Dona Ermelinda pelo prego no pneu do seu carrito em 1990 e pelo tiro ou facada que provavelmente levará (caso não tenha falecido entretanto) por parte dos novos alunos da geração "Dá-me o telemóvel, puta!".
Humildemente, espero por dias melhores. Esta foi uma opinião livre de impostos.
Um bem haja a todos.

Daniel Silva

Gwydion disse...

E mai' nada, ó amigo Daniel! Mas repara que eu não contava que não pudesse levar umas galhetas. Mas eles (professores) deviam perceber que tal atroz comportamento para com o meu "belo" semblante levaria certamente algum deles à ruína psicológica. o que de facto diferia era um simples pormenor: Excepto um caso por outro em que "era mais forte que eu", mal saía do campo de batalh.... sala de aulas cessava fogo de imediato e era bastante bonzinho para com eles. Aliás, ainda à coisa de uns meses, uma antiga professora minha (que foi bem massacradita, coitada) me encontrou e se desfez em gestos quase de "saudade", ou uma professora que foi minha e é hoje do meu irmãozinho ficou contente por saber que me tornei professor, etc... Mas na altura não havia a distinção social que à partida delimita uns e outros - "o stor, man, é um g'anda cota". Ainda bem que os meus me vêem como um tipo às direitas e até há uma que me faz publicidade da irmã que tem 21 ou 22 anos... :D